(A chegada do homem branco no Brasil na
visão de uma abelha indígena, escrito em 2000. Hoje encontrei em meio aos meus arquivos e decidi publicar para os amigos do meu blog)
ZUMBIDO DE DOR
Era uma tarde bonita e ensolarada e o
campo apresentava-se salpicado de flores. O colorido e o perfume impregnavam o
ambiente de poesia e fantasia, alastrando um encanto contagiante. Parecia que a
natureza tinha se adornado para uma grande festa. No ar, uma atividade
frenética regada por um zumbido alto, rápido e correspondido.
De repente, alguma coisa mudou. Uma
agitação diferente abalou a rotina daquela tarde festiva. Uma grande embarcação
que se avistava no horizonte se aproximava lentamente. Dezenas de homens
corriam transtornados pela praia e, muitas crianças, assustadas, choravam se
aninhando nos braços de suas mães.
O murmúrio cessou por um instante e um
silêncio ameaçador tomou lugar, às vezes quebrado pelo sussurrar de alguém e o
farfalhar das folhas que acusavam o medo. Parecia uma eternidade. Os olhos se
procuravam. Havia espanto e alarme.
A natureza parou por um momento. Nossas
ancestrais, porém, segundo soube, retornaram rapidamente a seus afazeres. Havia
muita flor, muito néctar e muito trabalho pra se fazer. Desconheciam o quanto
aquele instante iria alterar o curso de nossa existência.
Os homens, entretanto, inexplicavelmente,
permaneciam calados, aguardando. Bem,
para eles, dizem que as conseqüências também foram cruéis. Não sabíamos, mas
para todos nós, aquele fugaz silêncio prenunciava a morte, a destruição e a
fome.
Desde então, quinhentos anos se passaram.
Quanto tempo! Quanta esperança destroçada! Quanta luta perdida!
Dizem que aqueles homens chamavam-se
portugueses e eles trouxeram outros, que trouxeram outros, outros e mais
outros..... que fizeram muitos outros....
Desde aquele dia, muita coisa mudou: as
tradições, as festas nas luas cheias, as cerimônias, as danças ao entardecer, a
busca e a luta pela sobrevivência.
Com eles, vieram também árvores novas,
diferentes, com novas flores. Trouxeram ainda primas nossas, de outras terras,
com outra maneira de ser, de fazer as coisas, diferentes na cor da pele, no
falar e no pensar. Abelhas como nós, com famílias, que cuidavam com respeito de
suas crias. Porém, tão diferentes!
Um dia, encontrei-me com uma delas numa
flor e, então, tentei conversar um pouco, mostrar camaradagem. Entretanto, elas
são de pouca prosa. Comentei, cordialmente, que estava um dia lindo e ela nem
me respondeu. Quanta pressa, preocupação! Mas eu até entendo. Passamos por
momentos difíceis, com pouco néctar para sugar e alguns deles com um gosto tão
ruim. Dizem que é veneno chamado agrotóxico!
Estas priminhas nossas são... desculpe-me,
gananciosas. Mas dizem que há motivos em sua história que as levaram a
armazenar grandes quantidades de alimento. Parece que algumas vieram de um
lugar em que há períodos que não podem sair de casa porque é muito frio e isto
matou no passado muitos parentes delas. Outras vieram de um lugar que os homens
destruíam os ninhos das mais amistosas. Deve ser por isso que são afobadas,
assustadas, medrosas. Levantam-se muito cedo. Quando chegamos nas flores quase
já não há alimento. Elas já levaram tudo.
Realmente, são muito estranhas... Dizem
também... (perdão, estou parecendo uma fofoqueira...) que a rainha quando tem
um filho não dança! Não comemora! Que horror! Após ter um filho, vai depressa
procurar outro berço para botar outro e mais outro e mais outro... A nossa
rainha, não! Quando ela tem um filho, que festa! Dá gosto ver! É tão lindo! Ela
festeja, comemora e todas as nossas companheiras festejam junto a nova vida que
está chegando.
Coitada das nossas priminhas! Vieram prá
cá e são escravas dos homens brancos que as trouxeram. Elas estocam grandes
quantidades de mel que é extraído por eles, muitas vezes sem nenhum respeito.
Muitos destes homens atacam os ninhos, queimam, destroem tudo, assassinam os
filhotes. E não adianta se defender. E elas sabem fazer isto melhor do que nós.
Dizem que até a proteção de suas casas é
retirada. Chamam de própolis. Por conta disto, passam o maior frio e perigo em
certas situações. Fora a fome...
Na verdade, todas nós temos sido vítimas
de homens gananciosos que, pra produzirem mais, usam venenos muito poderosos.
Não posso deixar de falar que há também
homens generosos, chamados de apicultores, que nos tratam melhor. Fornecem
abrigos novos, cheirosos e lá somos bem tratadas.
Porém, o mais duro e triste é o que estão
fazendo com as nossas matas, nossas flores. Eles arrancam tudo com machado e
máquinas barulhentas. Queimam, destroem, por onde passam. Jogam sujeira, veneno
nos rios, nas lagoas. Muitas vezes, temos que voar muito longe para conseguir
água e, às vezes, ela é tão suja que nos dá disenteria. Temos dificuldades em
encontrar flores e até locais para novos ninhos.
O que fizeram deste lugar? Cadê as nossas flores, a alegria do zumbido pelas
manhãs ensolaradas? O que fizeram? Por quê? Quinhentos anos de muitas
histórias!
Deixem que
continuemos nossas vidas, visitando nossas flores, ajudando-as a se
reproduzirem pela polinização. Sabemos fazer um alimento muito doce, muito
saboroso. Sabemos fazer remédios preciosos que poderão ajudá-los. Podemos
compartilhar o resultado dos nossos conhecimentos e habilidades. Mas parem de
nos tratar tão mal!
Que este zumbido
de dor chegue aos vossos ouvidos, que este zumbido desperte o vosso coração
para a beleza da natureza e que abra os seus sentidos para o colorido e o
perfume das nossas flores, do nosso céu, do nosso Brasil. Se você foi tocado por esta história real e triste,
una-se a nós e transformemos este zumbido de dor num zumbido de esperança de
uma nova história, de um novo país.
Deus Criador, na Sua infinita generosidade nos proporcionou um ambiente magnífico em beleza, cor, perfume, textura, som, sabor e nos capacitou com sensibilidade (visão, olfato, tato, audição, paladar) para desfrutar e cuidar de tudo isto (Gn 2.15). Entretanto, o homem tem abusado de modo desregrado, egoísta e inconsequente deste privilégio. O resultado é uma natureza que geme e suporta angústias até agora, aguardando como nós a redenção deste corpo corruptível (Rm 8.21-23).
Que o nosso Deus Criador e Sustentador, desperte e oriente o Seu povo para administrar com responsabilidade e sabedoria o que ainda nos resta de modo a tornar a vida (para nós e nossos descendentes) menos penosa.
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Uma palavra aos cristãos:Deus Criador, na Sua infinita generosidade nos proporcionou um ambiente magnífico em beleza, cor, perfume, textura, som, sabor e nos capacitou com sensibilidade (visão, olfato, tato, audição, paladar) para desfrutar e cuidar de tudo isto (Gn 2.15). Entretanto, o homem tem abusado de modo desregrado, egoísta e inconsequente deste privilégio. O resultado é uma natureza que geme e suporta angústias até agora, aguardando como nós a redenção deste corpo corruptível (Rm 8.21-23).
Que o nosso Deus Criador e Sustentador, desperte e oriente o Seu povo para administrar com responsabilidade e sabedoria o que ainda nos resta de modo a tornar a vida (para nós e nossos descendentes) menos penosa.
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